Jeremias acorda e vê-se ao espelho. Os olhos encovados, as pálpebras cansadas e a pele que começa a querer perder aquela firmeza inquebrável da juventude. Os olhos, à volta roxos, o pescoço mais mole, o cabelo menos ágil. Ainda, brilham os olhos, porém. Jeremias vê-se ao espelho e pergunta-se se vale a pena, se tem valido a pena, se valerá a pena.
Jeremias quer acreditar que sim, Jeremias gosta de acreditar que sim, Jeremias precisa de acreditar que sim. Jeremias sabe muitíssimo bem que sim. No fundo, acha-se sempre que vale a pena, no fundo encontramos sempre a justificação que justifica tudo, a razão na falta de explicação. Precisa-se desse Sim, porque Sim. As nossas rugas haveriam sempre de dar um grande filme. O lavradio da alma haveria sempre de dar lugar a um grande filmezão.
(Mais lá no fundo não sabemos, no nossos confins não sabemos nada, nunca soubemos. Jeremias não sabe, mas segue em frente, nem sabe andar para trás).
Jeremias disfarça a erosão com água fria e creme gordo, veste-se bem e afasta a força do pensamento com a mesma proporção de rotina. Na rua o seu olhar encontra-se com o de uma criança que corre. Entre os dois, brilhos iguais, tudo igual, apenas 30 anos de diferença. Nos primeiros, o sonho do que ainda não se é, nos segundos a certeza de que não se é. A derrota da vida em 30 anos, fosse Jeremias um actor secundário. Não fosse Jeremias confiante da estrela que ele é, e até talvez não lhe valesse a pena. Não fossem as certezas de Jeremias e talvez Jeremias não estivesse a envelhecer tão bem. Ele, que é uma estrela de cinema, a capa de uma revista. Haveriam de ver, o Jeremias lá da escola, quem diria.
Debaixo do braço, Jeremias enrola o jornal das noticias de ontem na esperança que sejam as de amanhã e pensa no bom que é que tudo lhe valha a pena. Que infortúnio seria se não lhe valesse a pena. Sorriso gáudio o do doce da vida de Jeremias.
Sem comentários:
Enviar um comentário