Estão lá todos os dias. Todos os dias, 20 h e 0ºC, entre gente de passo alheado, apressado e com capuz invernal enfiado, estão lá todos os dias. No mesmo sítio, já não estendem o braço, mas o olhar derrotado está lá. Derrotado ou penitente, talvez de suplica. Nem sei, só sei que para além do olhar brilhante e penetrante, têm tudo o que têm no saco que os aconchega do gelo.
Ninguém lhes liga, a vida não permite e há sempre algo e alguém que nos espera, nunca é por mal, “Se não estivesse tão atrasado até era pessoa para ajudar”, pensam e passam os poucos que olham. Eles já não esperam nada, esperam talvez apenas que o tempo passe e a morte os leve. Talvez não, gosto de imaginar que secretamente se riem de nós e do quão ridículos somos sempre “nem aqui nem ali” e a tentar tirar mais um coelho da cartola para que nos mantenhamos incluídos. Ninguém lhes liga porque eles não existem. São fantasmas da sociedade moderna, o mal necessário da evolução, o talo da cove que não se come. Vítimas ou culpados, eles representam o que ninguém quer ver, o que não é suposto existir, a desconstrução do motivo. Ninguém lhes liga porque não vale a pena, porque não há resposta, porque os anéis se perderam e os dedos nunca existiram. Fazer o quê, se tenho o jantar o lume e o chefe é chato?
Incomoda-me o frio, a eles ainda mais de certeza, mas eu queixo-me mais, logo, pela teoria, sofro mais. Já aquecido em casa, ouço um canal de TV americano que fala vagamente da Grécia e muito concretamente de um ministro “com forte sentido de moda e com o carisma e beleza clássica da antiguidade” mas com um nome demasiado incomum para o meu palato linguístico. Olho para o tal ministro de ar rústico e para o ar sofisticado da repórter e constato que ele afinal é que é sofisticado e ela rústica, embora tenha duvidas quanto ao carisma.
As coisas são como são, e porque haveriam de ser diferentes? Acabo a escrever este texto e a pensar para mim que na vida a importância do que somos e temos só vale para o fundamental da sociedade - a inclusão.